Nenhuma mulher ficará para trás
Em sua 13ª edição, a Caminhada de Mulheres Lésbicas e
Bissexuais de São Paulo reivindica visibilidade e representatividade política
de todas as mulheres – trans ou cis –, levantando também o debate sobre
questões raciais e de classe. Conheça melhor a proposta do movimento
Por Jarid Arraes
“Nenhuma mulher ficará para trás” – essas são as palavras de
ordem da 13ª Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais de São Paulo, que
acontecerá no próximo sábado, dia 6 de Junho, com concentração na Praça do
Ciclista.
Tudo começou com o Umas & Outras; o grupo, que se
tratava de uma lista de e-mails para lésbicas em 2001, expandiu e começou a
articular atividades culturais, esportivas, saraus e espaços para mulheres
lésbicas. Juntamente ao Movimento Lésbico de Campinas, o Umas & Outras
organizou uma caminhada lésbica em São Paulo inspirada na Caminhada Lésbica do
México de 2003, esta baseada, por sua vez, nas Dyke Marches nos EUA.
Imagem: Reprodução / Facebook
Imagem: Reprodução / Facebook
A ideia era que a Caminhada dialogasse com a Parada Gay, de
forma a trazer visibilidade social e política às lésbicas, apresentando suas
demandas de forma pontual, já que a Parada é muito centrada nas reivindicações
dos homens gays. Por isso, a Caminhada acontece sempre um dia antes, como forma
de protesto e fortalecimento. Entre as manifestantes da primeira edição da
Caminhada, muitas participantes do V SENALE (Seminário Nacional de Lésbicas e
Bissexuais) se fizeram presentes. Assim, pela primeira vez, mulheres lésbicas e
bissexuais ocuparam a Avenida Paulista para celebrar e protestar por direitos.
Desde então, a Caminhada se configurou como um ato político
e representa um marco nos movimentos pelos direitos das mulheres lésbicas e
bissexuais – direitos esses historicamente negados por conta do machismo,
misoginia, lesbofobia e bifobia presentes em nossa sociedade.
Somando esforços para garantir o acolhimento e a
representatividade política de todas as mulheres, incluindo as mulheres trans,
a Caminhada desse ano salienta que é preciso falar também sobre questões
raciais e de classe dentro das pautas lésbicas e bissexuais. E não poderia ser
diferente, já que o movimento surgiu baseado na necessidade de cobrar
visibilidade e espaço dentro das pautas LGBT, que ainda hoje permanecem
dominadas pelos homens gays e suas demandas.
Para entender melhor as reivindicações do movimento e seus
posicionamentos ideológicos, leia a entrevista concedida à Fórum pela Comissão
de Comunicação da 13ª Caminhada de Lésbicas e Bissexuais de São Paulo:
Fórum – Qual é a importância de uma caminhada específica
para mulheres lésbicas e bissexuais?
Comissão de Comunicação - A Caminhada acontece sempre um dia
antes da Parada Gay de São Paulo, para fazer oposição a uma militância que
exclui as reivindicações das mulheres LBT. A Parada atrai milhões para a cidade
e pouco disso nós vemos sendo revertidos em políticas públicas para a
comunidade LGBT. As pautas das mulheres lésbicas e bissexuais não encontram
espaço, então criamos o nosso espaço, da nossa maneira e com a nossa voz.
Fórum – Como vocês se posicionam a respeito de questões como
racismo, classicismo, transfobia, capacitismo, entre outros tipos de
discriminação? A proposta da caminhada engloba essas especificidades?
Comissão - Esses são temas que fundamentam a nossa
militância, o tema deste ano dialoga exatamente com isso. Nenhuma opressão é vista
como maior ou como menor, nos juntamos por sermos lésbicas e bissexuais, mas
nós reconhecemos que algumas mulheres sofrem um acúmulo de opressões e
caminhamos juntas.
Fórum – Como o coletivo se posiciona em relação à presença
de mulheres trans? E quanto aos homens trans?
Imagem: Reprodução / Facebook
Imagem: Reprodução / Facebook
Comissão - Mulheres trans são acima de tudo mulheres. Também
entendemos que travestis que não se identificam como mulheres são vítimas de
misoginia e não se beneficiam do machismo, condição básica para compor um
espaço exclusivo para o gênero feminino. Evidente, pois, que estão e serão
acolhidas todas as que se identifiquem como lésbicas ou bissexuais. Importante,
aliás, que elas saibam que nesse espaço são bem vindas.
Quanto aos homens trans, também compreendemos que são
homens. Aqueles que se relacionam com mulheres são, portanto, heterossexuais.
Nesse sentido, não parece que seja do interesse deles compor um espaço
exclusivo para o gênero feminino e lésbico.
Fórum – O coletivo recebe apoio dos movimentos LGBT e
feminista? Há outros coletivos que se juntam à Caminhada?
Comissão - A Caminhada é constituída por diversos grupos
organizados e militantes independentes, a nossa organização é horizontal, todas
as mulheres possuem voz e podem trazer as suas reivindicações, dessa maneira
conseguimos criar uma caminhada que contemple a pluralidade lésbica e bissexual
da cidade.
Fórum – Vocês fazem questão de citar as mulheres bissexuais,
algo que acontece pouco em outros contextos. Como encaram a questão da
discriminação contra mulheres bissexuais?
Comissão - Acreditamos que as mulheres bissexuais são vistas
como disponíveis para os homens, o que as faz mais vulneráveis à violência
sexual. Também são entendidas como mulheres desequilibradas, indecisas e que
não são confiáveis. Muitas vezes, elas são pressionadas para “escolherem um
lado” de uma maneira falsa, o que causa diversas consequências, como um maior
risco de tentativas de suicídio, problemas de saúde mental, automutilação e distúrbios
alimentares. Além disso, muitos psicólogos e psiquiatras oferecem atendimento
inadequado, negando a existência da bissexualidade e a caracterizando como
sintoma de doença psiquiátrica.
O MANIFESTO
XIII Caminhada de
Lésbicas e Bissexuais:
Nenhuma mulher
ficará para trás!
Todas contra o
machismo, o racismo, a bifobia, a lesbofobia e a transfobia.
No dia 6 de junho
de 2015 a XIII Caminhada de Lésbicas e Bissexuais de são Paulo ocupa as ruas da
cidade para afirmar nossa luta contra o sistema capitalista, patrical, racista
e les-bi-transfóbico que reproduz e reforça as desigualdades de gênero, etnia e
classe na sociedade. Ao longo dos últimos 13 anos as mulheres lésbicas e
bissexuais fazem sua caminhada para romper com a invisibilidade e discriminação
a que estão sujeitas nos espaços de poder, na sociedade, e dentro do próprio
movimento LGBT.
Tal sistema
opressor reproduz e reforça desigualdades, se beneficiando dessas condições
para aumentar seus lucros e nos excluir diariamente. Nós mulheres trabalhadoras
temos dificuldade de encontrar bons empregos – nos quais ainda recebemos cerca
de 30% a menos do que os homens – e estamos sujeitas a condições cada vez mais
alienantes de trabalho, como as terceirizadas. Por vezes, muitas companheiras
se veem forçadas a viver da prostituição.
Imagem: Reprodução
/ Facebook
Imagem: Reprodução
/ Facebook
Para nós da
população LBT (Lésbicas, Bissexuais, mulheres Transexuais e Travestis) as
condições de vida e de trabalho oferecidas são ainda mais precárias quando
amamos outras mulheres e desejamos nos relacionar com elas, quando nossa
identidade de gênero não é reconhecida.Nossa autonomia ameaça a sociedade
heteronormativa, que trata com normalidade as violências diárias que sofremos
na forma de palavras, ameaças, privações, agressões físicas, abuso sexual e
estupros. Os meios de comunicação também não nos respeitam, nos inferiorizando
e explorando a imagem de nossos corpos, além de estabelecer padrões
inalcançáveis de beleza.
Temos necessidades
específicas que são invisibilzadas quando precisamos de atendimento médico e
psicológico, quando o sexo é tratado somente com finalidade reprodutiva e
quando não recebemos suporte à nossa segurança.
Por sua vez, o
monossexismo (ideia de que as únicas orientações sexuais válidas são aquelas
focadas em apenas um gênero) apaga a existência de mulheres bissexuais e leva
muitas a interiorizarem a noção de que seus desejos e afetos não são legítimos.
Isso tem graves consequências para a saúde mental dessas mulheres, levando a
índices elevados de doenças psiquiátricas, automutilação, tentativas de
suicídio e distúrbios alimentares. Tal cenário é agravado pelo fato de que
muitos profissionais de saúde mental negam a existência da bissexualidade ou a
consideram sintoma de doença psiquiátrica.
As mulheres
lésbicas e bissexuais que são negras sofrem com o racismo que impõe padrões
estéticos europeus, além de explorar ainda mais sua mão de obra – recebem as
menores remunerações – e desrespeitar seus corpos e seus sentimentos. Ser
mulher negra e lésbica ou bissexual é enfrentar uma série de opressões que se
acumulam e lidar com situações humilhantes, de preconceito e exploração em
todos os espaços desta sociedade.
Imagem: Reprodução
/ Facebook
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/ Facebook
Algumas lésbicas e
bissexuais são mulheres transgênero, transexuais ou travestis. A maioria
esmagadora da sociedade acha que as mulheres trans e travestis só se relacionam
com homens, o que não é verdade. O apagamento da lesbianidade ou bissexualidade
delas se soma a tantas outras violências diárias. Tamanha a incompreensão e ignorância,
mulheres trans e travestis são impedidas de acessar seu direito à educação.
Muitas vezes abandonam as escolas – despreparadas para as acolher – e não
recebem a qualificação necessária para acessar empregos e conquistar sua
autonomia. Mesmo nos casos em que superam tais dificuldades, o preconceito
garante que o mercado de trabalho mantenha suas portas fechadas. Os postos de
saúde e hospitais também não estão preparados para atendê-las – a
transexualidade ainda é classificada como doença – por isso não conseguem
atendimento adequado e correm sérios riscos quando usam hormônios sem
recomendação médica e quando colocam silicone industrial em seus corpos. Em
resumo, os direitos básicos não são garantidos ás mulheres lésbicas e
bissexuais transgênero, que têm expectativa de vida em torno de 30 anos de
idade a serem vividos em uma sociedade nega seu direito.
A lesbianidade e a
bissexualidade são manifestações legítimas da sexualidade cada vez mais
combatidas por setores conservadores representados por religiosos e políticos
intolerantes. Projetos de leis tentam negar o direito à vida familiar das
mulheres que vivem com outras mulheres, como o Estatuto da Família, que quer
anular o reconhecimento de casais homossexuais. O Estado Laico é aberta e
impunemente desrespeitado!
Todos os dias,
convivemos com nossos colegas de trabalho e com nossos familiares, que
frequentemente ignoram nossa realidade e direitos. Andamos nas ruas
diariamente, mas hoje as ocupamos orgulhosamente juntas para lembrar à
população de São Paulo e aos governantes que existimos, queremos respeito e
exigimos o reconhecimento de nossas necessidades. Este é um ato político e uma
forma de levar força às companheiras que se sentem sozinhas no seu dia a dia.
Somos muitas, somos fortes o suficiente para nos apoiarmos e para lutarmos
contra o machismo, o racismo, a bifobia, a lesbofobia e a transfobia!
Para acompanhar as
notícias sobre a Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais de São Paulo e
obter mais informações, visite a página do movimento no Facebook.
Foto de capa: Reprodução / Facebook
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